A
história humana, aos olhos da fé, pode ser sempre interpretada pelo
binômio dom-tarefa. A vida é um presente de Deus, o que recebemos é uma
graça, mas sempre Deus pede a nossa resposta - o nosso comprometimento. É
nossa tarefa cultivarmos o dom recebido.
O
Evangelho e a primeira leitura nos falam de uma decepção divina. Deus
ama tanto, entrega tanto carinho, que espera uma resposta positiva.
Mesmo diante da predileção divina, o Povo de Israel fracassou várias
vezes e o próprio Filho de Deus foi rejeitado, jogado para fora da
própria Cidade Santa: o Calvário é do lado de fora dos muros de
Jerusalém.
Os
judeus da época de Jesus queriam guardar os frutos da vinha só para si.
Não queriam partilhar com os demais, julgavam-se exclusivos; faziam
leis amargas e de exclusão, ao invés de gerar a acolhida alegre. Este
foi um dos motivos da rejeição do filho do dono da vinha, pois eles não
poderiam aceitar a proposta de abertura de Jesus, que afetava as
estruturas dos líderes da época.
A
Igreja é a vinha do presente e nós os vinhateiros. Guardaremos os
frutos só para nós? Faremos do Evangelho um privilégio que nos acomoda
(que nos faz nos sentir salvos) ou vamos nos abrir para o mundo? A vinha
é uma estrutura necessária, porém só tem sentido se está em função dos
frutos. A Igreja, do mesmo modo, apenas é autêntica se está em função da
construção do Reino, produzindo frutos de justiça, liberdade,
misericórdia, fraternidade, perdão e paz... O principal fruto da vinha
deve ser a missão que edifica uma Igreja aberta a todos, acolhedora, na
qual os seus membros dão testemunho da alegria de pertencer a Vinha. O
Reino de Deus jamais poderá ser monopólio de nenhuma estrutura, de
nenhuma instituição religiosa, nem do clero ou dos especialistas em
religião. O Reino de Deus cresce pelo mistério do Espírito. Se nós que
recebemos o dom e a tarefa de cultivá-lo em primeira instância não o
fizermos, outros o farão. Que o Reino não nos seja tirado.
São
Paulo nos deixa uma lista de frutos que devem fazer parte da cesta de
quem colhe os dons da Vinha: a verdade, o respeito, a pureza, o amor, a
honra, a virtude. Se lêssemos os versículos que antecedem o texto
proposto para este domingo, veríamos que São Paulo está falando da
brevidade do tempo. Ou seja, a vida é breve. Deste modo, devemos viver
como peregrinos deste mundo, sabendo da urgência de frutificar. Diante
dos problemas da vida, apresentemos tudo e coloquemos nossas
dificuldades nas mãos do dono da Vinha, pois Ele sabe o que faz. Vivendo
de acordo com a Palavra do Senhor, vem o dom da paz: “Assim, o Deus da
Paz estará conosco!”.
A
vinha, portanto, é também o símbolo da nossa vida. Hoje, Deus continua
nos dando muito: a vida, a fé, suas bênçãos... O que estamos fazendo com
os presentes que ele nos deu? A nossa vida necessita de cultivo, de
cuidados. Deve produzir frutos bons, não amargos. Quando chegarmos ao
final de nossa existência terrena, deveremos olhar para trás e perceber
que deixamos um legado, que simplesmente não passamos pela vida, mas
construímos frutos que ficam para a eternidade. No presente que o Senhor
nos dá como graça, podemos decidir sobre o cultivo de nossa vinha.
“A
pedra que os construtores rejeitaram tornou-se agora a pedra angular”.
Se o ser humano desrespeitou a vinha pelos frutos podres que produziu,
Deus enviou seu próprio Filho. Ao ser morto, Deus transformou nosso
pecado em graça, a violência horrenda da cruz em sinal de amor-doação
até as últimas consequências. Deus revela sua bondade em nossa maldade.
Agora permanece como a pedra angular. Nossa vida deve ser alicerçada
nesta pedra firme para que não desmorone. Assim, não por nossas forças,
mas pela graça dele, teremos uma construção firme que não será
destruída, uma vinha que não será arrancada.
Pe. Roberto Nentwig
"Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força!"
(2Cor 12,9)
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