CATEQUESE
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 05 de outubro 2011
Voltar-se para o Senhor na oração implica um ato de confiança radical, na consciência de confiar em um Deus que é bom, misericordioso e piedoso, lento para a ira e rico de amor e fidelidade. Por isto, hoje gostaria de refletir convosco sobre um Salmo cheio de confiança, no qual o Salmista exprime a sua serena certeza de ser conduzido e protegido, seguro de todo perigo, porque o Senhor é o seu pastor. Se trata do Salmo 23, que segundo a datação greco-latina é o 22, um texto familiar a todos e amado por todos.
“O Senhor é o meu pastor: nada me falta”: Assim inicia esta bela oração, evocando o ambiente nômade do pastoreio e a experinência recíproca que se estabelece entre o pastor e as ovelhas que compõem o seu pequeno rebanho. A imagem conduz a uma atmosferia de confidência, intimidade, ternura: o pastor conhece as suas ovelhinhas uma por uma, as chama pelo nome, e essas o seguem porquem o reconhecem e confiam nele. Ele cuida delas, as guarda como bens preciosos, está pronto a defendê-las, a garantir-lhes o bem-estar, a fazê-las viver em tranquilidade. Nada pode faltar se o pastor está com elas. A esta experiência se refere o Salmista, chamando Deus seu pastor e deixando-se conduzir por Ele rumo aos campos seguros.
“Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes , restaura as forças da minha alma. Pelos caminhos retor Ele me leva, por amor de seu nome” (v.2-3)
A visão que se abre aos nossos olhos é aquela dos campos verdes e fontes de água límpida, oásis até o qual o Pastor acompanha o rebanho; símbolos dos lugares de vida em direção aos quais o Senhor conduz o Salmista, o qual se sente como as ovelhas deitadas sobre a grama ao lado de uma nascente, em situação de repouso, não em tensão ou em um estado de alarme, mas confiantes e tranquilas, porque o local é seguro, tem água fresca, o Pastor as vigia. E não esqueçamos aqui que a cena evocada pelo Salmo é ambientada em uma terra larga, com uma parte deserta, abatida pelo sol escaldante, onde o Pastor seminômade do oriente médio vive com o seu rebanho nos cerrados áridos que se estendem ao redor dos vilarejos. Mas o Pastor sabe onde encontrar capim e água fresca, essenciais para a vida, sabe levar ao oásis no qual a alma se revigora, onde é possível renovar as forças e as novas energias para colocar-se a caminho.
Como diz o Salmista, Deus o conduz em direção aos verdes prados, às águas tranquilas, onde tudo é abundante, tudo é doado em grande quantidade. Se o Senhor é o pastor, também no deserto, lugar de ausência e de morte, não deixa de existir a certeza de uma radical presença de vida, ao ponto de poder dizer: “nada me falta”. O pastor, de fato, tem no coração o bem do seu rebanho, adapta os próprios ritmos e as próprias exigências àquelas de suas ovelhas, caminha e vive com elas, guiando-as por estradas justas, isto è, adaptadas à elas, com atenção às necessidades delas e não às próprias. A segurança do seu rebanho é a sua prioridade e a esta prioridade obedece ao conduzi-lo.
Por isso o Salmista pode declarar uma tranquilidade e uma segurança sem incertezas, nem temores:
“Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bastão e vosso báculo são o meu amparo”. (v.4)
Quem vai com o Senhor também nos vales escuros do sofrimento, da incerteza e de todos os problemas humanos, se sente seguro. Tu estás comigo: esta é a nossa certeza, aquela que nos sutenta. O escuro da noite gera medo, com as suas sombras insconstantes, a dificuldade de distinguir os perigos, o seu silêncio que por vezes é interrompido por barulhos indecifráveis. Se o rebanho se move depois do pôr do sol, quando a visibilidade se torna incerta, é normal que as ovelhas estejam inquietas, há o risco de assustarem-se, distanciarem-se, perderem-se ou ainda existe o temor de possíveis agressores que se escondam no obscuro.
Para falar do vale escuro, o Salmista usa uma expressão hebraica que evoca as trevas da morte, no qual o vale que se deve atravessar é um lugar de angústia, de ameaças terríveis, de perigos de morte. Todavia, o orante prossegue seguro, sem medo, porque sabe que o Senhor está com ele. Aquele “tu estás comigo” é uma proclamação de confiança inabalável e sintetiza a experiência de fé radical, a proximidade de Deus transforma a realidade, o vale escuro perde todo perigo, se esvazia de toda ameaça. O rebanho agora pode caminhar tranquilo, acompanhado pelo som familiar do bastão que bate sobre o terreno e sinaliza a presença confortante do pastor. Esta imagem confortante fecha a primeira parte do Salmo e dá lugar para uma cena diferente. Estamos ainda no deserto, onde o pastor vive com seu rebanho, mas agora somos transportados para a sua tenda, que se abre para dar hospitalidade.
“Preparais para mim a mesa, à vista de meus inimigos. Derramais o olhos sobre minha cabeça e meu cálice transborda” (v.5)
Agora, o Senhor é apresentado como Aquele que acolhe o orante, com os sinais de uma hospitalidade generosa e repleta de atenção. O anfitrião divino prepara o alimento sobre a “mesa”, uma expressão que em hebraico indica, no seu sentido primitivo, a pele de animal que era entendida no chão e sobre a qual se colocavam os víveres para a refeição em comum. É um gesto de partilha não somente do alimento, mas também da vida, em uma oferta de comunhão e de amizade que cria laços e exprime solidariedade. E depois, tem o dom generoso do óleo perfumado sobre a cabeça, que dá alívio ao calor insuportável do sol do deserto, refresca e suaviza a pele e alegra o espírito com a sua fragrância. Por fim, o cálice cheio acrescenta um toque de festa, com o seu vinho refinado, partilhado com generosidade abundante. Alimento, óleo, vinho: são os dons que fazem viver e dão alegria porque estão além daquilo que é extremamente necessário e exprimem a gratuidade e a abundância do amor. Proclama o Salmo 104, celebrando a bondade providente do Senhor: “Tu fazes crescer a grama para o animal e as plantas que o homem cultiva para tirar alimento da terra, vinho que alegra o coração do homem, óleo que faz brilhar a sua face e pão que sustenta o seu coração”. O Salmista se fez objeto de tantas atenções: ele se vê como um caminhante que encontra repouso em uma tenda acolhedora, enquanto os seu inimigos ficam olhando sem poder intervir, porque aquele que consideravam como presa está seguro, se tornou um hóspede sacro, intocável. E o Salmista somos nós se realmente acreditamos na comunhão com Cristo. Quando Deus abre a sua tenda para acolher-nos, nada pode nos fazer mal.
Quando o caminhante parte, a proteção divina se prolonga e o acompanha na sua viagem.
“Sim, a vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias”.
A bondade e a fidelidade de Deus são a proteção que acompanha o Salmista que sai da tenda e se recoloca no caminho. Mas é um caminho que adquire um novo sentido e se torna peregrinação em direção ao templo do Senhor, o lugar santo no qual o orante quer habitar e ao qual quer retornar. O verbo hebraico aqui utilizado tem o sentido de retornar, mas com uma pequena modificação vocálica, pode ser entendido como habitar, e assim permaneceu nas antigas versões e na maior parte das traduções modernas. Ambos os sentidos podem ser mantidos: voltar ao Templo e habitar nele é o desejo de todo israelita, e habitar próximo a Deus na sua proximidade e bondade é desejo e nostalgia daquele que acredita: poder habitar realmente onde está Deus, próximo a Deus. O seguimento do Pastor leva à sua casa, é essa a meta de todo caminho, oásis desejado no deserto, tenda de refúgio na fuga dos inimigos, lugar de paz onde se experimenta a bondade e o amor fiel de Deus dia após dia, na alegria serena de um tempo sem fim.
As imagens deste Salmo, com as suas riquezas e profundidade, acompanharam toda a história e a experiência religiosa do povo de Israel e acompanham também os cristãos. A figura do pastor, em particular, evoca o tempo originário do Êxodo, o longo caminho no deserto, como um rebanho que está sob a guia do Pastor divino. E na Terra prometida era o rei que tinha a missão de cuidar do rebanho do Senhor, como Davi, pastor escolhido por Deus e figura do Messias. Após o exílio da Babilônia, quase em um novo êxodo, Israel é reconduzido à pátria como ovelha dispersa e reencontrada, reconduzida por Deus aos vigorosos campos e lugares de repouso.
Mas é no Senhor Jesus que toda a força evocativa do nosso Salmo chega a cumprimento, encontra sua plenitude de significado: Jesus é o bom Pastor que sai à procura da ovelha desgarrada, que conhece as suas ovelhas e dá a vida por elas. Ele é a vida, o caminho justo que nos leva à vida, a luz que ilumina o vale escuro e vence todo nosso medo. È Ele o anfitrião generoso que nos acolhe, nos coloca a salvo dos inimigos preparando-nos a mesa do seu corpo e do seu sangue e aquela definitiva do banquete messiânico do Céu. É Ele o Pastor real, rei na mansidão e no perdão, entronizado sobre o madeiro glorioso da cruz.
Queridos irmãos e irmãs, o Salmo 23 nos convida a renovar a nossa confiança em Deus, abandonando-nos totalmente nas suas mãos. Peçamos então com fé que o Senhor nos conceda, também nas estradas difíceis do nosso tempo, de caminhar sempre sobre as suas estradas como rebanho dócil e obediente; que nos acolha na sua casa, na sua mesa, e nos conduza às águas tranqüilas, para que no acolhimento do dom do Seu Espirito, possamos beber das suas nascentes, fontes daquela água viva que transborda para a vida eterna. Obrigado.
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